quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Salário mínimo e a coragem de Dilma

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".


Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff citou as belas palavras do escritor Guimarães Rosa e, na seqüência, emendou: “É com esta coragem que vou governar o Brasil. Mas a mulher não só coragem. É carinho também”. Agora, no comando da nação, ela precisará demonstrar sensibilidade e coragem em inúmeros assuntos delicados. Um dos seus primeiros testes no assento do Palácio do Planalto já está em curso com a definição do novo valor do salário mínimo.

A gritaria dos conservadores

O tema é dos mais inflamáveis, expressão da luta de classes na sociedade. As forças do conservadorismo já gritam “cautela”. Os neoliberais de plantão, inclusive no interior do seu governo, alertam para o “rombo” das contas públicas. A mídia demotucana, que evitou criticar Serra quando ele defendeu demagogicamente o aumento do mínimo para R$ 600,00, agora prega o arrocho fiscal. Os tucanos e os demos, representantes maiores da ambiciosa classe patronal, evitam tratar do tema espinhoso.

No outro extremo, os trabalhadores exigem justiça. Afinal, o salário mínimo sofreu drástico corte no reinado neoliberal de FHC e só ganhou novo fôlego graças ao acordo firmado pelas centrais sindicais com o presidente Lula – que estabeleceu reposição da inflação mais aumento real correspondente à média de crescimento da economia no ano anterior. Esta tímida valorização foi uma das responsáveis pelo aquecimento do mercado interno, o que evitou maiores traumas da crise mundial do capitalismo.

A velha cantilena neoliberal

No apagar das luzes do seu governo, o presidente Lula baixou uma medida burocrática fixando o valor do mínimo em R$ 540,00. Como provou o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), este mísero reajuste, de apenas 5,9%, não repõe nem as perdas do último ano – que acumularam 6,41%. No Congresso Nacional, vários partidos já anunciaram que vão rever a medida presidencial – seja por seus compromissos programáticos ou pela mera disputa por cargos no governo.

Diante da reação dos partidos e do anúncio das centrais, de que lotarão o plenário do Congresso Nacional para exigir um mínimo de R$ 580,00, o ministro Guido Mantega foi mais realista do que o rei. Ele abandonou sua aura desenvolvimentista e afirmou que vetará qualquer alteração no valor do reajuste – sendo que veto não é sua função, mas sim da presidenta. Autoritário, Mantega repetiu a cantilena neoliberal, ao afirmar que o “aumento acima do previsto vai causar deterioração das contas públicas”.

O rombo de R$ 170 bilhões

Como já apontou o economista Paulo Kliass, num excelente artigo no sítio Carta Maior, o governo insiste “nas falácias de sempre”. A tal deterioração das contas públicas decorre da especulação financeira, dos juros elevados, e não do salário mínimo de milhões de brasileiros. “Basta que a taxa de juros Selic entre janeiro e dezembro de 2011 permaneça no nível de 10,05% ao ano, ao invés dos 10,75% projetados no Projeto da Lei Orçamentária, para garantir os recursos necessários a um salário mínimo de R$ 580”.

Pelo Orçamento da União aprovado em dezembro, a quantia prevista para o pagamento de juros e encargos da dívida pública é de R$ 170 bilhões para 2011. Um roubo! No entanto, Mantega é dócil diante dos especuladores e esbraveja arrogância contra os trabalhadores, aposentados e pensionistas – que dependem deste salário mísero. Caso o seu valor subisse para R$ 580,00, como defendem as centrais sindicais, haveria uma despesa adicional de R$ 12 bilhões – bem inferior ao garfado pelos rentistas.

“Basta vontade política”

Paulo Kliass rechaça as mentiras de que “não há recursos disponíveis e o governo deve pautar sua conduta pela responsabilidade fiscal. De acordo com a última parte: sim, o governo deve se pautar por elevada seriedade na condução de sua política fiscal. No entanto, o fato é que há recursos disponíveis no Orçamento da União para 2011. Ou melhor, haverá recursos disponíveis, desde que a presidenta Dilma exija de sua equipe o cumprimento de sua promessa de redução da taxa de juro a partir do ano que vem”.

“Ou seja, mais uma vez, comprova-se que basta a vontade política. Os recursos orçamentários para avançar na melhoria do salário mínimo existem. A responsabilidade na condução da política fiscal exige, por outro lado, compromisso com o que é essencial na política do governo. No caso concreto, trata-se de fazer a opção entre: (i) despesa com juros ou (ii) remuneração de mais da metade dos assalariados e pensionistas do País. O resto é argumento falacioso, conversa prá boi dormir”.

Este será o primeiro grande teste da presidenta Dilma Rousseff. A medida provisória do novo salário mínimo, assinada pelo ex-presidente Lula, só começará a tramitar no Senado a partir do dia 2 de fevereiro, depois do recesso parlamentar. Neste tempo, a nova governante deverá se inspirar nas belas palavras de Guimarães Rosa. O exercício do poder exigirá, de fato, muita coragem e sensibilidade. A intensa pressão dos movimentos sociais sempre ajuda a aguçar estes nobres sentimentos no poder. 

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