sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dilma, o "piloto automático" do Brasil

Eis alguns conselhos para quem se encontra com Dilma Rousseff (também conhecida como "Stella", nos tempos da ditadura).
Primeiro, fale rápido. Segundo, se você quer agradar, provavelmente não é uma boa ideia sugerir que o Brasil precisa de grandes reformas para continuar sendo uma das economias emergentes que mais crescem no mundo.
Em entrevista à Reuters, a mulher que pode ser eleita presidente do Brasil em outubro rejeitou categoricamente a necessidade de grandes cortes orçamentários ou de mudanças nas leis trabalhistas, uma das mais restritivas do planeta.
Questionada sobre a possibilidade de o país continuar crescendo 7 por cento ao ano sem tais reformas, Dilma balançou a cabeça, sorriu e interrompeu a pergunta.
"O Brasil não está crescendo (a esse ritmo) agora?", perguntou ela incisivamente.
Bem, sim, mas alguns economistas dizem...
"Mas está crescendo?"
Sim.
"Bem, então é possível", concluiu ela.
O recado foi claro, e seria reforçado em conversas com cerca de uma dúzia dos principais assessores de Dilma: para o bem ou para o mal, a ex-guerrilheira de 62 anos, que com o tempo evoluiu para uma carreira como servidora pública pragmática, não planeja grandes mudanças na política econômica caso seja eleita.
A aposta de Dilma é que ela será capaz de criar milhões de empregos, melhorar a terrível infraestrutura do Brasil, inclusive as escolas, e aproveitar a recém-descoberta riqueza petrolífera sem se desviar substancialmente da combinação de programas sociais e políticas pró-mercado que tornaram seu ex-chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, imensamente popular no Brasil e em Wall Street.
"Vamos seguir o caminho do Lula!", gritou Dilma para uma multidão de 10 mil pessoas reunidas num comício na noite da última sexta-feira em Juiz de Fora. Lula, que a tirou da relativa obscuridade para disputar uma eleição pela primeira vez na vida, estava ao seu lado, radiante.
O presidente, aliás, não deixa dúvidas de que espera que sua sucessora siga escrupulosamente suas políticas quando ele deixar o Palácio do Planalto, no dia 1o de janeiro. Como disse num comício em agosto: "Vou ligar e dizer: 'Olha, tem uma coisa errada. Pode fazer, minha filha, que eu não consegui fazer'".
GOVERNO PRESENTE
Como presidente, Dilma deve comandar uma expansão ainda maior da presença estatal no estratégico setor do petróleo, segundo seus assessores. Bancos estatais vão continuar tendo uma participação importante no financiamento imobiliário para famílias de baixa renda e na liberação de verbas para projetos de infraestrutura, especialmente os que forem relacionados com a realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Mas os temores de que Dilma governe significativamente à esquerda de Lula, manifestados por alguns investidores e políticos de oposição, parecem exagerados.
Um exame do período em que ela foi ministra de Minas e Energia e depois ministra-chefe da Casa Civil mostra uma tecnocrata exigente, preocupada primariamente com a criação de emprego, e que desdenha abertamente das ineficiências vistas com frequência no setor público. Ela se cerca repetidamente dos membros mais pró-mercado dentro do PT.
Na verdade, o principal risco para Dilma parece ser o de uma presidência baseada no "status quo", resultando em estagnação econômica.
Diante da sua falta de apetite por grandes reformas, alguns economistas temem que o custo notoriamente alto de fazer negócios no país em breve arraste o Brasil de volta ao seu potencial de crescimento de anos atrás --cerca de 3 por cento ao ano--, levando assim o país a ficar para trás das outras potências emergentes reunidas sob a sigla Bric: Rússia, Índia e China.
A relativa falta de carisma e de experiência no comando do Executivo de Dilma também pode deixar seu eventual governo vulnerável no caso de uma crise externa ou interna inesperada. Sua coalizão potencialmente volátil é outro ponto de interrogação, assim como o episódio de câncer moderado que ela sofreu e superou completamente em 2009.
Mas, a exemplo da futura chefe, muitos possíveis membros de um governo Dilma não parecem temer que a fase de prosperidade do Brasil vá acabar tão cedo.
"Faremos o que pudermos", disse Fernando Pimentel, candidato ao Senado pelo PT em Minas Gerais e um dos conselheiros para a campanha de Dilma. Os dois se conhecem desde adolescentes, na década de 1960, quando se envolveram na resistência armada contra a ditadura.
"Mas há certas áreas em que se pode simplesmente ligar o piloto automático", acrescentou Pimentel, citando o Ministério da Fazenda como exemplo. "O Brasil está num estágio de tremendo crescimento."
CADEIA, TORTURA E MILITÂNCIA
Dilma minimiza a importância da sua juventude como militante, que a levou a passar quase três anos presa e a ser torturada pelos militares. Mas a verdade é que, embora aquela época não a tenha definido, ela foi crucial para entender sua ascensão na política brasileira.
Filha de um próspero imigrante búlgaro que fugira da opressão política no seu país, Dilma entrou para o grupo esquerdista Colina logo depois de passar no vestibular do curso de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Os grupos esquerdistas que proliferavam em todo o Brasil jamais se envolveram em combates de grande escala nem constituíram uma ameaça séria ao regime militar.
Eles consistiam basicamente de células mais ou menos interligadas, sediadas em áreas urbanas e cometendo atos como roubos a bancos, explosões e sequestro e morte de figuras políticas.
Carlos Araújo, segundo marido de Dilma, era outro dissidente. Ele disse que as responsabilidades dela eram basicamente "coordenar" as ações de várias células. Com a repressão militar, ambos chegaram a passar meses foragidos, assumindo pseudônimos --"Stella", no caso dela, foi um deles.
Araújo disse que a própria Dilma "nunca pegou numa arma, e nunca deu um tiro".
Marido e mulher logo foram capturados. Dilma sofreu torturas "extremamente cruéis" na prisão, inclusive repetidos choques elétricos, segundo Pimentel. "Ela foi levada ao seu limite e soube superar isso", afirmou.
Mesmo antes da prisão, no entanto, Dilma já havia começado a demonstrar a veia pragmática que viria a definir sua carreira. Pimentel disse que ela "foi uma das primeiras de nós a perceber" que a guerrilha, tão desarmada e desorganizada, não conseguiria derrubar os militares.
De fato, ao ser solta, em 1973, Dilma nunca olhou realmente para trás. Retomou a faculdade de Economia e desistiu completamente da resistência ao regime, segundo Araújo.
"Assim como entramos rapidamente naquele mundo, saímos rapidamente também", afirmou ele. Os dois agora estão divorciados, mas se mantêm próximos. O carro parado na garagem da casa de Araújo, em Porto Alegre, tem um enorme adesivo da campanha de Dilma no vidro traseiro.
Com o tempo, a militância de Dilma provou não ser necessariamente negativa para ela.
A exemplo de outros países sul-americanos, como Argentina e Chile, a resistência aos militares no Brasil evoluiu para uma fraternidade insular entre políticos, muitos dos quais moderaram suas posições, mas jamais abandonaram completamente as raízes esquerdistas --nem abandonaram uns aos outros.
Com a volta da democracia, na década de 1980, esses nomes passaram a dominar a vida política nos seus países, sempre pelo voto.
"Dei a Dilma seu primeiro cargo por causa da sua coragem na luta armada", disse Alceu Collares, ex-governador gaúcho, de quem Dilma --então ligada a Leonel Brizola-- foi secretária de Energia, no começo da década de 1990. "Sempre admirei gente assim", completou Collares. Dilma, como Collares, era nessa época filiada ao PDT.
A hoje presidenciável, que havia trabalhado em um centro de estudos regionais e assessorado sindicatos, acabou sendo reconhecida como uma administradora eficaz, ainda que não espetacular.
Como secretária de Energia, trabalhou bem com o setor privado para ajudar a reverter algumas lacunas na rede elétrica estadual e evitar os apagões que assolavam o restante do Brasil, segundo Olívio Dutra (PT), outro ex-governador gaúcho.
Ela também começou a abandonar a imagem de "hippie" algo desalinhada, que usava óculos grossos, sandálias e não ligava para o cabelo, disse Neuza Canabarro, mulher de Collares.
A ex-primeira-dama se lembra de uma ocasião em que Dilma apareceu para trabalhar maquiada, para dar uma entrevista à TV. "Foi aí que descobrimos que ela era bonita", disse Neuza, rindo carinhosamente.
Dilma cultivou uma paixão pela poesia e a literatura --um dos seus autores favoritos é o romancista francês Marcel Proust-- e teve uma única filha, Paula, que neste mês lhe deu um neto.
Mas nada indicava que chegaria a ser algo mais do que uma funcionária de médio escalão, segundo Dutra e outros. "Ninguém dizia, ninguém achava --nem ela mesma-- que ela jamais seria candidata majoritária a nada", disse Dutra. "Ela nunca fez nada para indicar que essa era o seu objetivo."
NO CENÁRIO NACIONAL, UMA CRISE A ESPERA
Quando finalmente recebeu uma chance no cenário nacional, Dilma a aproveitou.
O ano era 2003, e Lula acabava de ser eleito presidente, na sua quarta tentativa. O ex-líder metalúrgico, que em campanhas anteriores defendia o não-pagamento da dívida externa e a nacionalização de setores econômicos importantes, estava sob intensa pressão para demonstrar aos assustados mercados financeiros que não faria mudanças radicais como presidente.
Para tranquilizar os investidores, Lula convocou membros moderados do PT para ocupar postos importantes no governo. Isso incluía Dilma, que havia trocado o PDT pelo PT três anos antes.
Lula a colocou no Ministério das Minas e Energia, onde uma crise a aguardava.
O Brasil ainda se recuperava da escassez energética, consequência de uma seca que esvaziou os reservatórios das hidrelétricas, mas também de várias décadas de investimentos insuficientes na diversificação das fontes energéticas. O resultado foi um racionamento que custou mais de 1 ponto percentual no crescimento do PIB em 2001.
A tarefa de Dilma era liderar uma "completa reformulação" do setor, a fim de evitar que o apagão se repetisse, disse Mauricio Tolmasquim, que foi seu secretário-executivo no Ministério das Minas e Energia.
Um grupo de trabalho do ministério se reuniu. Tolmasquim disse que alguns membros da ala mais radical do partido defendiam uma reversão parcial da privatização do setor energético na década de 1990, o que devolveria à estatal Eletrobrás um papel mais proeminente.
No final, prevaleceu a proposta mais moderada de Tolmasquim: um sistema de "leilão holandês", em que empresas do setor privado disputam projetos com base na tarifa mais baixa que puderem oferecer aos consumidores brasileiros. Isso fornecia também um marco jurídico que garantia os investimentos no longo prazo.
"Eles me chamavam de o neoliberal do grupo", lembra-se Tolmasquim. "Mas", acrescentou, piscando um olho, "fui eu quem ela promoveu a secretário-executivo".
No governo Lula, a capacidade elétrica do Brasil cresceu cerca de 4,4 por cento ao ano, contra 3,9 por cento na média do governo anterior, segundo dados oficiais. Os apagões não são mais uma preocupação grave, embora as tarifas elétricas brasileiras continuem entre as mais altas do mundo.
PETRÓLEO
O outro lado disso é a relação de Dilma com a Petrobras. A empresa está sob os holofotes desde 2007, quando fez uma das maiores descobertas petrolíferas recentes de todo o mundo --até 50 bilhões de barris, sob uma espessa camada de sal, a mais de 7.000 metros abaixo do leito oceânico.
Lula tem dito que as reservas do pré-sal, caso sejam bem exploradas, poderão gerar recursos para levar o país ao status de nação desenvolvida nos próximos anos.
Diante dessa possível bonança, o governo Lula --com Dilma à frente-- praticamente reescreveu todas as regras relacionadas ao setor petrolífero. Em vez do antigo sistema de leilões de concessões para que as empresas explorem campos petrolíferos, o governo propôs um novo sistema em que o Estado é dono do petróleo, e paga às empresas pelo trabalho de exploração.
Enquanto isso, a Petrobras vem pagando caro pelo acesso ao petróleo do pré-sal. Como parte de um complexo plano de capitalização da Petrobras, que poderá render mais de 75 bilhões de dólares --o que seria a maior oferta de ações já feita no mundo--, a empresa de capital misto usará suas próprias ações para pagar o governo pelo direito de explorar o petróleo.
Resultado: o Estado brasileiro provavelmente acabará tendo uma participação acionária na Petrobras ainda maior do que antes. Nesse ínterim, a Petrobras se comprometeu em usar pelo menos 65 por cento de equipamentos nacionais na prospecção, nos navios e nas plataformas, apesar das preocupações de que o Brasil não tenha capacidade para produzir tudo isso domesticamente.
Intimidados com o que veem como excessivo poder do governo e desprezo pelos acionistas minoritários, muitos investidores bateram em retirada. As ações da Petrobras caíram cerca de 27 por cento desde o começo de 2010 --eliminando mais de 70 bilhões de dólares do valor de mercado da empresa.
ESTATIZANTE, NÃO
Adversários de Dilma costumam citar o caso da Petrobras e a enorme ampliação dos créditos concedidos pelo BNDES nos últimos anos como prova de que ela irá governar à esquerda de Lula.
Dilma "vai tentar centralizar a economia o máximo que puder, dando poder a grupos corporativistas e a sindicatos, acima de tudo", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB.
Em um relatório divulgado em agosto, o Goldman Sachs disse que muitos investidores estrangeiros estão esperando até depois da eleição para fazer "manobras definitivas" no Brasil. "A preocupação é com o papel do Estado na economia, e se ele será contido ou expandido" no próximo governo, disse o estudo.
Luciano Coutinho, presidente do BNDES e forte candidato a se tornar ministro da Fazenda num governo Dilma, tem defendido que a ampliação do crédito pela instituição era uma resposta necessária à crise financeira global.
Ele também disse, numa rara entrevista no seu gabinete no Rio, que a Petrobras foi um caso especial, e não uma indicação sobre a visão de Dilma a respeito dos investimentos privados como um todo. "A noção de que o Estado terá um papel maior no governo dela é absolutamente falsa", disse Coutinho, que foi professor de Dilma na pós-graduação em Economia.
Pressionado a explicar por que um caso tão importante quanto o da Petrobras deve ser considerado exceção, e não regra, Coutinho se irritou. Disse que o petróleo é um "recurso estratégico", e citou a ascensão de empresas nacionais de energia em outros países na última década.
"O petróleo tinha de ser tratado de um jeito diferente", afirmou. "É ingênuo e um insulto à nossa inteligência achar que é uma commodity ordinária."
Outros funcionários do governo também se referiram à descoberta do pré-sal como uma oportunidade única de melhorar não só a infraestrutura brasileira, mas também o seu setor energético.
"Como presidente, Dilma vai lutar fortemente (...) pela independência do nosso setor de bens e serviços para o petróleo e o gás", disse Maria das Graças Foster, diretora de gás e energia da Petrobras, também cotada para o eventual governo dela.
Coutinho disse não acreditar que outras empresas estatais irão "crescer enormemente" num governo Dilma. "Ela não tem uma tendência ideológica a... favorecer o setor público ou discriminar contra o setor privado. Ela é pragmática e olha primeiramente os resultados", afirmou.
Quase todos no círculo íntimo de Dilma ecoaram esse sentimento em conversas, gravadas ou em "off". E, durante sua campanha eleitoral, Dilma novamente se cercou das vozes petistas mais simpáticas ao mercado, como Coutinho e Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula.
Tolmasquim descreveu Dilma como "desenvolvimentista" --preocupada primariamente com setores domésticos que criem empregos e com projetos de infraestrutura.
O principal debate, na cabeça dela, não é "Estado versus privado", disse Tolmasquim. "É o que é 'Made in Brazil' versus o que não é."
A prova máxima da atitude de Dilma em relação ao Estado? Araújo, seu ex-marido, cita a reputação que ela conquistou no serviço público, de ser brusca, até mesmo rude, com seus subordinados.
"Ah, ela é extremamente exigente", disse ele, rindo. "Ela não é nada rude, pelo contrário. Mas as pessoas no setor público não estão acostumadas a serem cobradas por resultados. Ela é obcecada com a eficiência."
PROSPERIDADE AGORA, DÚVIDAS DEPOIS
Mas como foi que Dilma deu esse improvável salto até o favoritismo absoluto na corrida presidencial? Bem, ela mesma admite não saber ao certo.
Diz que Lula começou "brincando por aí" sobre uma possível candidatura presidencial. "A única forma de alguém que não está pensando em se tornar candidato se acostumar com a ideia", diz ela.
Até hoje, Lula nunca pediu formalmente que ela concorresse, diz Dilma. "Foi espontâneo, natural", afirmou. "E, com o tempo, eu meio que virei candidata."
É improvável que Dilma tivesse sido a sucessora escolhida por Lula sem os múltiplos escândalos de corrupção durante seus dois mandatos, que forçaram candidatos mais óbvios, os ex-ministros José Dirceu e Palocci, a deixarem o governo em 2005 e 2006, respectivamente.
"Foi como se ela tivesse ganhado na loteria", disse Collares, o ex-governador gaúcho.
Dilma se lançou na campanha como um enigma até mesmo para alguns círculos políticos em Brasília. Seu nome era reconhecido por menos de 10 por cento dos eleitores, e a indicação não foi bem recebida por alguns membros do PT, que desejavam um candidato mais conhecido e experiente.
Isso ajuda a explicar por que, desde o primeiro dia, ela jogou todas as fichas da sua candidatura numa mensagem de continuidade total das políticas de Lula, aparecendo ao seu lado em comícios e na TV sempre que possível.
Foi uma estratégia eficaz. Sob o governo Lula, misturando responsabilidade fiscal e programas de transferências de renda para as camadas mais pobres da população, mais de 20 milhões de brasileiros saíram da pobreza nos últimos oito anos.
Num país por tanto tempo definido pela enorme disparidade entre ricos e pobres, a desigualdade caiu e a classe C, em expansão, começou a comprar carros, imóveis e televisores em quantidades recordes.
O Brasil como um todo foi absorvido pelo seu sonho secular, mas sempre adiado, de se tornar uma potência econômica global, compatível com suas dimensões continentais.
A capacidade de Lula de manter a inflação sob controle e atrair o capital estrangeiro --além da enorme demanda pelas commodities brasileiras na China-- fizeram do Brasil um raro ponto de prosperidade num momento em que a maioria das economias desenvolvidas luta para se reerguer.
Lula é, e continuará sendo, difícil de imitar.
Num comício no mês passado em Osasco, na Grande São Paulo, Dilma citou, de forma desajeitada e eventualmente errante, um catálogo dos feitos de Lula. Ela então prometeu ser "a mãe de todos os brasileiros", e concluiu seu discurso prometendo, a plenos pulmões, que "esta será a eleição que dignificará as mulheres do nosso país!".
A plateia aplaudiu educadamente, como se estivesse num torneio de golfe. Lula então subiu ao palanque. A multidão explodiu em frenéticos aplausos e gritos, a música soou alto, confetes foram lançados. Com a ginga de um artista experiente, Lula esperou que o burburinho diminuísse antes de pegar o microfone, se inclinar para a plateia e exibir um enorme sorriso.
"Companheiros...", começou ele. E a multidão foi ao delírio.
As diferenças de estilo implicam um lado sério, que vai ao âmago das limitações que Dilma pode enfrentar como presidente: se Lula, com sua aprovação popular de 75 por cento e um enorme crédito junto aos mais pobres, não conseguiu em oito anos aprovar no Congresso legislações polêmicas, como a reforma tributária, como ela irá conseguir?
E isso, em resumo, é o que preocupa os críticos, que acreditam que a necessidade de reformas é clara.
Dilma "parece acreditar que ela pode simplesmente fazer investimentos e que o Brasil vai crescer, como se isso for acontecer automaticamente", disse Fernando Henrique. "É mais difícil do que isso. Sem uma nova geração de reformas, será muito difícil continuar crescendo nesse ritmo."
Os números lhe dão razão. Um relatório publicado no ano passado pelo Banco Mundial colocou o Brasil apenas em 129o. lugar entre 183 países em termos de facilidade para fazer negócios. O resultado deixou o Brasil bem atrás de outras nações latino-americanas, como Chile (49o lugar), México (51o) e até a vizinha Argentina (118o), que os investidores acusam de manipular dados econômicos básicos.
As principais razões para a falta de competitividade do Brasil, concluiu o relatório, foram sua carga tributária e suas regras trabalhistas. A carga tributária, equivalente a 34,4 por cento do PIB, supera a de outros países dos Bric e até alguns países desenvolvidos, como o Japão (17,6 por cento) e os EUA (26,9 por cento), segundo um recente estudo do Instituto Brookings, de Washington.
Os impostos são não só altos, como enlouquecedoramente complexos. Uma empresa brasileira gasta em média 2.600 horas por ano calculando e pagando impostos, segundo o Banco Mundial. Isso equivale a cerca de cinco vezes a média latino-americana.
Enquanto isso, rígidas restrições para contratações e demissões mantêm muitos trabalhadores brasileiros na economia informal, apesar do vigoroso crescimento dos empregos nos últimos anos. Segundo o Banco Mundial, uma típica indústria brasileira precisa pagar em média 46 semanas de trabalho para desligar um funcionário, quando são levados em conta os gastos com indenizações, multas e aviso prévio.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, está entre os que alertam que tais restrições irão impedir o Brasil de realizar suas grandes ambições, caso o país não realize reformas. "Se não houver mudanças no clima de negócios do país, não vamos transformar o Brasil em potência nem na quinta maior economia, como alguns preveem", afirmou.
REFORMA TRIBUTÁRIA? TALVEZ. TRABALHISTA? ESQUEÇA.
Entre as grandes reformas, a tributária pode ser a com mais chances de ser tratada num governo Dilma --mas, mesmo nesse caso, pode ficar aquém da grande reformulação que muitos empresários esperam, segundo auxiliares dela.
Pimentel disse que Dilma já avisou a seus assessores que provavelmente enviará um projeto tributário abrangente ao Congresso. Mas ele qualificou essa abordagem como o "Santo Graal", e disse que Dilma pode também estar mais disposta a fazer melhorias pontuais no código tributário, caso essa abordagem se mostre mais viável.
Ele comparou essa estratégia --que chamou de "bypass", ou em português coloquial, "jeitinho"-- à abordagem fragmentada que Dilma empregou para executar os projetos de infraestrutura como ministra da Casa Civil. "Você faz um monte de pequenas coisas, e isso tem um grande efeito", disse ele.
Por outro lado, Dilma já descartou grandes reformas trabalhistas, dizendo em discurso que não tocará nos direitos dos trabalhadores brasileiros --que formam a base do seu partido.
Quanto a outro sonho de alguns investidores --um grande ajuste fiscal que libere mais verbas para infraestrutura, por exemplo--, Dilma é ainda mais enfática.
"Não farei ajuste fiscal", disse ela à Reuters. "Você faz uma grande reforma fiscal quando tem uma crise econômica, não quando você tem o país com reservas internacionais (em níveis recordes), inflação dentro da meta e redução da dívida pública."
"Vamos controlar os gastos nas épocas boas e nas épocas más", prometeu. "E vamos transformar o Estado brasileiro em um Estado mais profissional, baseado na meritocracia."
O risco é que, sem conseguir realizar cortes fiscais substanciais, o Brasil não consiga aumentar a quantia relativamente pequena que investe em infraestrutura --cerca de 2 por cento do PIB. A China, por exemplo, gasta 16 por cento. Atualmente, os portos e estradas do Brasil estão completamente sobrecarregados, e as safras às vezes apodrecem antes de serem exportadas, por causa desses gargalos.
Mas, mesmo que Dilma quisesse promover grandes mudanças, não está claro que ela conseguiria fazer isso no Congresso. Seu principal parceiro de coalizão, o PMDB, é um partido famoso pelo seu fisiologismo e mesmo sendo da base do presidente Lula impôs a ele algumas derrotas importantes.
Franklin Martins, ministro da Comunicação Social e também muito ligado a Dilma, sugeriu que ela está apostando em políticas responsáveis de gestão macroeconômica que reduzam ainda mais a relação dívida/PIB, que já está em 41,7 por cento, um nível considerado baixo.
Isso, por sua vez, deverá reduzir o juro básico do seu nível atual de 10,75 por cento ao ano, um dos mais elevados do mundo. Franklin lembrou que cada redução de 1 ponto percentual na taxa de juros representa cerca de 9 bilhões de dólares a menos de pagamentos na dívida pública. "É um Bolsa Família inteiro", argumentou.
O ministro disse ter certeza de que a candidata saberá forjar sua nova identidade se for eleita presidente. "Quem diz que ela será um piloto automático não conhece Dilma", afirmou ele, rindo.
Sua outra previsão é a de que ela irá crescer rapidamente no papel de chefe de Estado como fez em outros cargos que já ocupou.
No comício de Juiz de Fora, Dilma já parecia bem mais confortável do que no discurso de Osasco, e levou a multidão ao frenesi quando começou a louvar as virtudes de Lula.
Ela disse que as recentes acusações de corrupção contra o PT são apenas uma tática cínica da oposição para causar medo --assim como eram as previsões de que a economia iria entrar em colapso com a eleição de Lula, em 2002, disse ela.
"Houve caos?", perguntou ela à plateia.
"Nãããão!", gritou a multidão.
"O Brasil cresceu?"
"Siiiiiim!"
"(Lula) criou 10 milhões de empregos?", prosseguiu ela. Mas antes que a plateia pudesse responder, foi ela quem gritou ao microfone: "Nãããão! Ele criou 14 milhões de empregos!"
Muita gente na plateia riu.
Lula passou parte da noite no fundo do palanque, vendo Dilma comandar a massa.
Questionado sobre por que nunca realmente pediu a Dilma para concorrer, Lula pensou por um momento. "Porque deu certo", disse ele, sorrindo e dando de ombros. E aí seguiu para a frente do palanque, pronto para deixar sua escolhida um passo mais próximo de chegar ao poder.

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